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Melancólico e misantropo

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

O Errante - Capítulo 6 - 01/05/2025

 Capítulo 6


Eu não sonhei, na verdade, senti que algo em mim morreu naquela noite, não sei dizer o que. Eu acordei com os corpos jogados, o do pai e da filha no chão, o da mãe no sofá sem roupa.
Eu não sinto culpa, eu nunca senti, pelo menos eu acho. Eu nunca me senti mal depois de algum crime, eu me acostumei a viver assim, é assim que se sobrevive.
A vida é um campo de caça, essa é minha maneira de sobreviver, eu preciso de poder e eu preciso de violência, é meu combustível.
Eu preciso de alguém para machucar, eu preciso de alguém para descontar o meu ódio, o mundo me moldou assim. Eu sou o reflexo do mundo, eu sou o senhor, eu sou o forte e eu sou a violência.
Eu sou a violência, eu sou o mundo. Eu nunca me arrependi de nada que eu fiz, e eu não sei como é esse sentimento. Sou um produto da sociedade que me moldou assim, um mundo violento e impiedoso onde preciso usar a força para sobreviver.
A sala estava em um silêncio absoluto, no grande relógio dizia 07:20, Londres não acordou ainda, eu me levantei devagar como se não quisesse acordar os cadáveres que ali jaziam.
Eu puxei uma chave que estava numa mesa e abri a porta, eu saí daquela casa como se não tivesse feito nada. O mundo está dormindo, eu sou o único acordado, eu sou o único vivo, eu sou o único consciente. A rua está vazia, nenhum mínimo sinal de vida ou barulho, eu estava caminhando para casa.
A única coisa que me segue são as almas, cada passo meu é uma alma diferente que entra na minha frente e é esmagada pela minha bruta bota.
No momento eu sou o imperador, eu sou o mais poderoso, nenhum demônio que habita meu cérebro pode me controlar agora, apenas eu.
A caminhada até a casa foi mais longa do que o usual. Cada passo ecoava na calçada fria, e a cidade não emitia barulho nenhum. O céu estava tingido de cinza, eu não estava com pressa, não havia necessidade de correr. Na verdade, eu estava gostando de saborear o momento, como quem sabe que será atropelado e fica parado esperando a colisão.
Por algum motivo, eu sabia o que tinha morrido em mim, e eu confirmei ao chegar em casa. Foi como uma premeditação, cada esquina parecia me conduzir para dentro de uma espiral, uma contagem regressiva, como se eu estivesse indo em direção ao abismo.
Eu já estou distanciado de qualquer compaixão, eu aceitarei o destino como for. A porta de casa já estava ali, tão familiar, mas parecia ter uma barreira como o muro de Berlim ali. A adrenalina percorreu meu corpo, mas não de surpresa e nem emoção. Apenas uma sensação de que ao atravessar aquele abismo, tudo mudaria de forma irreversível.
Coloquei a chave na fechadura e girei, eu abri a porta e o cheiro da casa me envolveu, mas não o cheiro familiar, reconfortante. Era o cheiro da morte, cheiro de algo morto.


Fui ao quarto da minha mãe, a porta estava fechada mas não trancada. A madeira rangeu quando eu a empurrei. O quarto parecia estar parado no tempo.
Ela estava ali, como eu imaginei. Suspensa, como uma peça de xadrez abatida, o vento balançava a cortina, e ela também se balançava, como um pêndulo.
Os seus olhos não olhavam pra mim, nem pra nada, estavam fechados. Não havia acusação, não havia nada, apenas silêncio. Como um livro fechado, o mesmo silêncio após um ato de violência extrema com assassinato.
Eu fiquei ali por um tempo, apenas observando. Não havia nada a ser dito, nenhum nome a ser chamado, eu nunca poderia tratar disso. O jogo terminou, ela escolheu sair agora.
Eu fechei a porta e disquei alguns números no telefone.
— Serviço de saúde nacional, bom dia.
— Minha mãe se matou, Rua L’Écorce, 20.
— Você está bem?
— Estou.
— Qual seu nome?
— Eric, Valmont.

— Eric, mandei uma ambulância, não saia da ligação.
— Ta.
— Ela deixou algo? Uma carta?
— Não.
— Você sabe o motivo?
— Não.
— Você está bem mesmo?
— Sim.

A ambulância chegou, tiraram minha mãe da corda que estava pendurada no ventilador e levaram ela pro hospital mesmo estando morta, a partir daí minha vida foi muito mais diferente do que como era antes. [Fim da Parte 1.]

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