Capítulo 3
Me levantei imediatamente, eu sentia que os prédios iam me engolir de tanto que eles se esticavam e se curvavam sobre mim. Deixei a gazeta jogada na mesa daquele bar e sai carregando a garrafa em uma das mãos.
Que sentimento é esse? Talvez a falta da violência? Mas.. Mas por que eu sinto prazer na violência?
E enquanto eu me perguntava eu sentia as pessoas me olhando, eu divagava desconcertado por Astas.. Astastheran? Astastheran.. 16. Ao olhar pra baixo meus pés pareciam fazer um movimento irregular, minhas mãos tremiam como se estivesse próximo da hipotermia. Mas nada de frio, um calor que rasgava minhas veias.
O tempo passava muito rápido, eu pisquei ja tinha andado um metro, pisquei, dois metros.
O céu piscava, não só o céu. Toda minha visão estava aumentando e diminuindo, como se estivesse pulando, dançando.
Dou mais um gole na bebida, agora sem sentir nada. Entro num beco e vejo um velho branco tipo típico de Londres, tava fumando um cigarro.
— Ô seu velho viado desgraçado, vem aqui me pegar seu merda! — Eu disse quebrando a garrafa na parede de tijolos do beco, o liquido pálido desceu sobre minhas botas e agora tinha uma arma improvisada na mão.
— Pirralho, não mexe comigo. Pra eu te nocautear basta um só soco.
Eu sentia a raiva se acumulando dentro de mim, uma força que crescia, crescente e impossível de segurar. Quando o golpe finalmente veio, não houve piedade.
— Então venha seu velho asqueroso velho nojento e imundo seu cachorro! — Eu corri pra cima do velho que estava apenas a alguns metros de mim, a tentativa dele de se defender foi inútil.
O velhote só ficou numa posição defensiva, tampou o pescoço mas não tampou a barriga
— Tome lá!
Cavei um buraco na barriga do velho com a garrafa quebrada, o velho gemeu alto e me deu um soco forte no rosto que me acordou, dei uma bela torcida fazendo ele cair.
— Por favor não me mate! Minha esposa e minha filha estão me esperando em casa!
Sem dizer nada comecei a espancar o velhote, enfiei a garrafa na coxa dele e dei varios socos contra a cabecinha branca dele. Cada soco seguido de um gemido fumante dele.
Minha cabeça pulsava de adrenalina, o velho tava desacordado já então eu comecei a chutar a nuca dele pra que ele nunca mais acorde.
Foram um, dois, três, quatro chutes com um belo bico de aço. Eu só parei quando ele começou a afogar no próprio sangue. O cheiro do sangue se misturava com o cheiro horrível da lama nos tijolos daquele beco.
Logo depois veio o silêncio. Mas não o silêncio simbólico, o silêncio literal. Nenhum barulho, como se minha mente tivesse cessado após esse ato de violência.
Ali na frente havia um corpo sem vida, um saco de carne. Me afastei sem palavras, aqueles gemidos e murmúrios se abafaram até se apagarem por completo. O velho tava morto, matei.
Minha mente finalmente se aquietara, livre do delírio esquizofrenico maldito que antes me consumia.
Vejo meu relógio, 11:00. Hora do almoço, mamãe deve ter preparado algo para eu comer. Depois daquilo eu me viro e marcho pra Rua de l'Ombre, uma outra rua veia de Astastheran 16 que me levava para o apartamento dos pais.
Na l’Ombre tem uma concentração de vendedores ambulantes, mas eles só ficam por lá nos dias de semana. A rua foi abandonada por Deus e pelo prefeito, a reforma não chegou aqui ainda. A rua ainda é composta pelos tijolos antigos que ficam cobertos por uma camada espessa de lama.
Marchando percebo bem melhor do que se trata essa rua imunda, aqui é onde as mulheres se prostituem. Longe avisto uma pretinha tipo assim africana me encarando com cara feia. Se ela me oferecer um dos programas dela, eu vou esfaqueá-la e jogar ela dentro de uma lixeira.
O pavimento é irregular, a rua é coberta por pedrinhas desiguais, algumas soltas e outras quebradas. Um cheiro de mofo húmido invade meu nariz de forma agressiva, chega a arder um pouco. Talvez não estou acostumado.
Chegando no meio da rua, me deparo com alguns indivíduos encapuzados fumando seus cigarros, parecem ser um pouco mais velhos que eu.. Talvez uma gangue.
Prefiro passar sem nem olhar para que não arrume problemas, bem, eu gosto de agredir e matar, mas com certeza é melhor eu não mexer com esse grupo.
Restos de comida, garrafas quebradas e papéis amassados tão espalhados por todo canto, isso me prova que a rua é abandonada. Os prédios possuem rachaduras e pichações que eu nem me arrisco a ler.
A prostituta africana que estava longe, agora já está ao meu lado. Ela está escorada em um poste, fumando. Que raiva, eu paro, me viro a ela e digo:
— Qual é a sua?
— Qual foi, moleque? Cê paga quanto?
Depois desse “Cê paga quanto” me subiu uma raiva tão grande.. me virei pra ela, joguei ela no poste e falei bem na cara dela:
— Olha aqui sua prostituta negra fedida e barata, quem você pensa que eu sou pra enfiar meu pau numa criatura tão suja, nojenta e asquerosa como você hein sua puta? — Virei pro lado e os sujeitos estavam me encarando de longe, isso me deixou um pouco intimidado então larguei a puta e segui caminho a casa, já estava virando a esquina l’Ombre - l’Écorce.
Imagina como deve ser esse inferno de noite. De dia já tem uma prostituta velha tipo assim 40 anos oferecendo os serviços dela. De noite deve ser um cabaré.
No meio do beco l’Écorce, letras cinzas formam “The Lamented Court” acima da entrada do apartamento dos meus pais, o porteiro me disse que esse nome blá blá blá um poema do tal Edgar Allan Poe.
Na recepção geralmente não tem ninguém exceto o porteiro que eu nem olho na cara, o elevador está sempre quebrado. Eu nem sei por que eu ainda tento apertar o interruptor, o dono do apartamento morreu faz uns 3 anos e quem cuida daqui é o porteiro, mas acontece que o porteiro não faz merda nenhuma e não limpa nem arruma nada.
O som de pedra das escadas soa com minha bota maciça pisando agressivamente. Depois de longos passos eu chego no corredor onde fica umas 4 portas sendo a última o meu cubículo, toco a campainha e em menos de 30 segundos a senhora Mãe aparece. Não olha na minha cara, não me cumprimenta, só abre a porta.
Meu pai não chegou ainda, quando ele chega, tira o chapéu e o suporte está vazio.
— Mãe, o senhor de dentes disse que o estado dos meus dentes é irreversível.
— Mas é claro né, não escova. Que decepção.
Não dei nenhuma resposta a ela, ela não merece nenhuma resposta e eu não sei por que eu fico me humilhando pela atenção dela. Me sentei no sofá da sala e tirei minhas botas que ficaram por ali mesmo.
— Vou trabalhar. — Disse a mamãe pegando a bolsa pré-posicionada na mesa da sala e saindo pela porta.
— Tchau, bom trabalho.
Mas antes de eu terminar de falar ela bateu a porta, Dane-se.. Eu vou descansar pois de noite vou saciar minha sede. Mas antes, saciar a fome.
Após tirar as minhas botas eu fui até a cozinha, tinha um prato no forno com torradas e ovos. Viva.
Logo depois de engolir um pouco de café e dar uma mordida na torrada me lembrei de algo muito importante. Preciso comprar botas novas, a loja de calçados fica no centro.
Eu moro um tanto longe de lá, pelo que as notícias dizem, lá é bem mais seguro e não tem tanta violência (de acordo com a TV).
Eu fui lá poucas vezes, eu geralmente não saio do meu bairro ou região. Não vejo motivos, eu geralmente não fico doente pra ir ao hospital. E minha mãe e pai compram comida, então não há necessidade de ir lá comprar.
Engoli os pedacinhos de torrada com ovos e logo me levantei da cadeira, a cozinha estava iluminada com aquele sol do quase-meio-dia, amarelo amarelo reluzente como ouro.
A luz passava pela janela da cozinha, que é consideravelmente maior que a do banheiro, irmãos. Eu gosto de prestar atenção nos mínimos detalhes que as pessoas deixam passar na pressa.
O mundo hoje em dia é muito complicado, as pessoas não têm tempo para prestar atenção nas pequenas coisas. Como o pássaro bebendo água ou o gatinho deitado na calçada ou como é bela a luz do sol.
O ser humano é realmente um ser de ódio e deve ser destruído, isso pode parecer um pouco hipócrita. No entanto, eu não me considero humano, eu sou uma alma, uma ideia, um fantasma. Touché.
Que século vazio, aposto que antigamente as pessoas tinham mais tempo. Com certeza, minha falecida avó colocava água para os passarinhos beberem num recipiente que eles enfiavam o bico.
Andei até o quarto, minha cama estava me esperando ali parada no mesmo lugar que a-deixei. Esse é meu cômodo favorito da casa, eu tenho alguns posters de bandas que eu escuto, The Clash, Os Rolling Stones e Os Beatles. O povo jovem ama essas bandas, eu também gosto um pouco.
E no momento que sento na cama, levo um susto como se tivesse levado uma chicotada, era a campainha com aquele som elétrico que se assemelhava a uma senhora de idade gemendo ensanguentada prestes a morrer.
Trimm Trimm Trimm. Acalme-se quem tá aí fora, já vai. Puxo meu canivete e destranco a porta parcialmente por meio do pino conectado com corrente.
Tem dois homens tipo assim classe média, um fuma um charuto e usa um paletó, o outro parece ser comparsa dele. Está com uma prancheta marrom e uma caneta, devem ser aqueles homens que entram nas casas para ver se tá tudo certo ou sei lá.
Quando eu coloco meu rosto pra fora eles me encaram de forma arrogante, tipo assim com raiva com indiferença.
— O que desejam tocando freneticamente a campainha, hein?
— Margaret Valmont mora aqui? — O da frente me perguntou e seu comparsa desviou o olhar pro corredor, tipo com medo de alguém.
— Minha mãe, o que querem com ela?
— Ela pegou dinheiro emprestado com nossa agência — Disse o de trás e pigarreou um pouco. — E até agora nada de dinheiro.
— Ela pegou quanto, senhores do dinheiro?
— Ela pegou duas notas de 50 para “pagar uma outra dívida” com o banco.
Sem dar resposta fechei a porta e corri pro meu quarto pra abrir o meu cofre, onde guardava o dinheiro que eu havia roubado no mês e não havia motivo pra gastar.
Tinha um bolo de notas amarradas e juntas com um elástico amarelo, tirei duas notas e fui logo à porta, quando abri, uma surpresa.
O senhor na frente estava segurando uma pistola daquelas que atiram balas de verdade, pelo visto ele pensou que eu iria fugir.
— Opa opa opa, larga essa arma. Eu tô com o dinheiro que ela te deve aqui.
— Passa o dinheiro por debaixo da porta, você tem 10 segundos senão eu mesmo vou pegar.
Me ajoelhei no chão e passei as duas notas pelo vão inferior da porta, o dinheiro foi puxado imediatamente e não houve nenhum diálogo. Eu apenas vi a sombra dos sapatos sociais andando em direção a escada.
Me deito no sofá e coloco uma almofada na cabeça e poucos segundos depois já estou na sonolândia.

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