Capítulo 21
Já eram 13:00, me enturmei com os sujeitos que lá habitavam, incluindo Norman.
Pelo visto, compartilha das mesmas opiniões que Holderlin sobre os seres humanos. Tem 36 anos e é viúvo, sua esposa foi morta a facadas quando ele estava em uma taverna.
Quando voltou, a encontrou repousando no sofá da sala, porém, ao virá-la, estava com diversos buracos de faca no pescoço e no peito.
Ele descreveu exatamente com detalhes a cena, com frieza.
— Posso ver sua arma? — Perguntei, apontando para o coldre.
Sem responder, tirou a arma do coldre e pôs o cano em minha mão, era bem mais pesada do que uma pistola tradicional.
Analisei bem os ornamentos em latão, a pederneira, que estava gasta porém pronta para ser disparada novamente, o cano extremamente longo e azulado.
Entreguei a ele, que girou no dedo e encaixou no coldre, logo saiu e foi para o centro do salão, eu saí do salão e comecei a andar pela mansão vazia.
Estava analisando cada ornamento na madeira, cada quadro pendurado. Haviam várias pinturas na parte de cima das paredes altas.
Atravessei a mansão, até o lugar onde entrei, a antessala, com aquela bandeira enorme.
Subi as escadas e entrei em uma sala com duas portas negras com maçanetas douradas, parecia ficar em cima da antessala.
Empurrei as portas, logo me deparei com um vitral que cobria toda a parede da frente da sala, no centro, uma cadeira sozinha, de madeira.
Eu entrei na sala e fechei as portas, era abafada, cheirava a livros antigos. O piso rangia, ao redor dessa cadeira, várias outras, em círculo, como se fosse um julgamento.
Algo me chamou atenção, uma imagem familiar estava pintada na parede esverdeada da esquerda.
A Morte de Marat.
Escrito no canto inferior direito. Eu lembro de ter visto essa pintura na escola, que hoje não mais frequento.
Marat jazia imóvel. Seu braço morto caía para fora da banheira, e sua pena, ainda entre os dedos. Enquanto uma carta escrita pela assassina repousa sobre o lençol. O rosto sereno, porém, centímetros abaixo, o ferimento aberto.
Atravessei a sala, até aquele vitral. Ele me permitia enxergar todo o jardim frontal da mansão, a alameda de Buganvílias, o muro e o portão de grade, que por acaso estava aberto.
E quando analisei de novo a alameda, me assustei.
Um cavalo negro cruzava lentamente a alameda que levava a porta principal. Montado sobre ele, um homem de sobretudo comprido, rosto escondido por um chapéu e carregava em sua cintura, um chicote.
O animal marchava com elegância.
Eu vi Klages caminhar até o portão, falou algo com o cavaleiro enquanto ele ainda estava montado e entregou algo pequeno, talvez um envelope.
Após um minuto de silêncio, girou as rédeas e partiu, em silêncio absoluto.
Ignorei a cena e voltei a observar a pintura, porém, ouvi ao som da porta se desprendendo.
O homem que entrou na sala tinha algo de anacrônico, bem, todos ali no salão tinham, porém, ele se destacava.
Vestia-se com uma camisa clara de linho com um padrão de linhas pretas e suspensórios bordados com pequenos ramos. Sua postura era ereta, o cabelo castanho-escuro, ondulado e arrumado, penteado, caia sobre os ombros;
Tinha um semblante calmo, como se estivesse sempre medindo cada gesto com uma régua. As costeletas longas desciam emoldurando o rosto pálido de traços finos e olhos intensos. Havia algo de aristocrático nele.
Os olhos esverdeados que encaravam com calma.
— Eric, não? — Ele perguntou, sua voz era calma e relativamente grossa. Perguntou se aproximando e fechando a porta, tinha a mesma estatura que eu.
— Sim, e você é quem? — Perguntei, desviando o olhar para a pintura.
— Nícolas. — Ele voltou a mim depois de fechar a porta. — Me mandaram “te buscar”. Porém, antes, quero saber quem é você exatamente.
— Me buscar?
— Bem, creio eu que você é um novato no círculo de Holderlin, não pode andar por assim em sua mansão. — Ele disse, soltando ar pelo nariz. — Bem, quem é você exatamente? Por que está aqui?
— Uma mulher me indicou esse lugar dizendo que Holderlin era um padre na qual devia me confessar, porém, percebo que é justamente o contrário.
— Claryce? — Ele perguntou, levantando o olhar.
— Isso, ela mesma. Como conhece?
— Ela já veio aqui, parece realmente enxergar Holderlin como um padre. — Ele se aproximou mais, como se quisesse contar um segredo.
— Viu o cavaleiro? — Disse com uma voz grave.
— Vi. — Respondi. — Quem era?
— Não sei.. Já é a segunda vez que eu vejo esse homem entrando, falando algo com Emil e saindo.
— Vocês moram nessa mansão, é?
— Não, apenas Holderlin e Klages. Geralmente Holderlin nos chama por meio de cartas toda semana.
— Cada uma aqui tem uma mansão igual?
— Bem, a maioria. A maior parte daqui faz parte da nobreza ou aristocracia.
— Entendi, mas, por que vocês usam essas roupas do século passado, e essas armas?
— Tradição, garoto. A família de Holderlin tinha um bocado dessas armas velhas.
— Bem, eu acho melhor ir embora. Onde está Holderlin?
— Venha. — Nícolas me puxou pela mão até o salão de volta, caminhando lentamente.
Em meio a tantas pessoas, tentei achar Holderlin, que mesmo sendo o ordenador daquela seita, estava escondido em meio a multidão.
Havia mais um instrumento naquela sala, aliás, haviam vários. Ao olhar pro lado, o jovem tocando o alaúde, junto dele, um homem corpulento com um violão, batendo nas cordas. Uma mulher com um violino e, mais distante, um jovem assoprando um trompete.
Próximo a banda, Holderlin e Klages, sentados na mesa juntos de Gapon.
Me aproximei, estavam conversando, Holderlin bebia uma taça de vinho bem vermelho.
— Senhor Holderlin. — Ele levantou a cabeça. — Eu já estou indo, tenho compromisso.
— Claro, jovem, vou pedir para alguém daqui te levar, onde mora? — Ele estava sereno.
— Beco L’Écorce, no Lamented Court, próximo a Astastheran 16.
— Filho, que péssimo lugar para se viver. — Gapon interrompeu, Klages concordou com a cabeça.
— Vive com seus pais? — Perguntou Klages.
— Meu pai me abandonou e minha mãe se matou, eu vivo sozinho.
Ninguém demonstrou emoção. Holderlin ia se levantar da cadeira devagar, porém, Klages o interrompeu.
— Holderlin, não se dê ao trabalho. O Senhor pode ficar aí, eu guio o pivete. — Disse Klages, se apressando para a porta principal do salão, me chamando com um gesto.Depois disso me guiou até a alameda de Buganvílias. Ao me lembrar daquele lugar, lembrei imediatamente do cavaleiro, e não resisti:
— Quem era aquele homem no cavalo? Aquele que você trocou algumas palavras bem aqui?
Klages parou imediatamente, parecia extremamente pálido, estava petrificado no meio da alameda, e eu ao seu lado.
— Não comente sobre isso com ninguém. — Ele sussurrou, os olhos arregalados.
Eu o encarei confuso. Foi então que ele puxou de dentro do sobretudo uma pistola de cabo escuro e apontou para o meu rosto, o que me encheu de raiva.
— Esqueça isso, Eric. — Ele disse com tiques em seu rosto. Suas mãos tremiam, talvez de medo. Mas minha raiva era maior, maior ao ponto de, no impulso, agarrar-lhe o pulso com violência, torcendo-o para cima, fazendo a pistola cair de sua mão.
Chutei a pistola para fora da estrada, ela parou na grama do jardim, em um golpe rápido, fiz Klages cair.
Ele arfava no chão de pedra, tirei minha própria pistola do sobretudo e apontei para ele.
— Por favor.. Não… — Ele disse, ofegante.
— Você é patético. Pa-té-ti-co.
Eu abaixei a pistola.
— Que ótimo exemplo de misantropo. Imagine Holderlin assistindo isso, o que ele iria achar de você implorando piedade?
Ele estava calado, seu rosto demonstrava extremo medo, seus olhos cansados arregalados.
Enquanto isso, os pássaros voavam no céu azul, eu sentia um vento fraco balançar o meu cabelo.
— Eu não sou você. Eu não vou te matar, mesmo sabendo que na primeira oportunidade, você vai dar um jeito de me tirar do jogo. — Eu disse apontando a pistola em seu rosto novamente. — Mas eu sou um ninguém, eu acabei de chegar no círculo. Eu não entendo nada, até agora, eu apenas entendi que vocês detestam os humanos dessa maneira aristocrática e hipócrita.
— Vocês são bizarros, até agora não consegui desver aquele maluco rasgando a pomba e comendo, muito menos Norman enfiando a mão dentro do crânio despedaçado de Anthony e metendo na boca.
Enquanto isso, Klages se afastava cada vez mais, e eu me aproximava, sem tirar ele da ponta da pistola, me sentia poderoso em saber que podia acabar com a vida dele ali mesmo, com ele tendo a esperança que não vou o matar, pois o disse anteriormente, então, num piscar de olhos, tudo acaba.
— Pare de se afastar, eu já disse, eu não sou você.
Ele ficou paralisado no chão, um carro preto e longo parou em frente a mansão, vi pelo portão de grade alta e preta.
— Quem é?
— S-Seu motorista.. — Ele dizia, chacoalhando.
— Até mais. — Disse abaixando a arma e saindo da mansão, entrei no carro e troquei algumas palavras com o motorista, em menos de dez minutos estava em frente ao meu apartamento, me despedi e ele sumiu.
Agora eu deveria ver Jasper, como combinado, eu realmente não quero ir lá, Jasper está me dando dor de cabeça. Mas eu sou um homem curioso, então, ao invés de entrar no apartamento, eu afundo as mãos no bolso do sobretudo e começo a caminhar em direção à seu apartamento.

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