Capítulo 10
Bom dia, caros irmãos, cheguei em casa e dormi.
O relógio diz 09:00, antes de dormir coloquei um despertador. O velório é na mesma catedral, em uma hora. Eu ainda estou com as mesmas roupas de ontem, mas que seja. Eu vou tomar banho e vestir as mesmas roupas, eu gostei desse sobretudo.
Merda, dormi no sofá da sala de novo. Eu não lembro de nada que aconteceu ontem a noite, eu só me lembro do mendigo, da ruivinha e da porta de casa.
Entro no banheiro, não preciso mais fechar a porta. Minha mãe e pai não estão mais aqui.
A casa inteira está iluminada pelas janelas, a estrela da manhã preenche a casa, que lindo.
Eu tiro as roupas, prendo meu cabelo com uma liguinha da minha mãe, ligo o chuveiro e deixo a água cair pelo meu corpo. O ferimento de faca que eu não senti ontem veio me cobrar agora. Quando a água cai por cima do machucado eu logo me arrependo, é como se a faca ainda estivesse ali dentro e cutucando. Eu limpei bem e enfaixei depois do banho. Eu peguei minhas roupas que estavam apoiadas na pia e vesti, eu vou usar os sapatos do meu pai, por que não convém ir à um velório com uma bota militar..
Abro a porta do quarto da minha mãe esperando ver algo, mas como sempre.. Nada, só o silêncio.
— Bom dia, mãe. — Digo e saio do quarto, no relógio são 09:42.
Atravesso a casa, pego a chave, abro a porta e saio.
Esses sapatos são péssimos, eles fazem barulho de couro e apertam, apertam bem mais que minha bota. A catedral é próxima, eu chego em 10 minutos.
O ar da igreja era pesado, o cheiro de incenso fora trocado por perfume, perfume misturado com vela queimando. Eu então estava naquele corredor de bancos novamente, mas ali na frente, ao invés do altar. Minha mãe deitada, plena.
Eu me aproximei, estava mais vazio do que ontem, vi Claryce e a mãe dela, mas eu fui direto na minha mãe. Ela estava pálida e serena, eu via a marca da corda que tentaram esconder com maquiagem. Havia algo que me intrigava, os olhares ao redor. Eu via falsidade, rancor e fúria misturadas na expressão dos presentes ali. Um ou outro cochichava olhando pra mim, que ódio.
Minha mãe estava só dormindo, enquanto isso, os outros me olhavam como se estivesse cometendo um crime.. Eu não quero estar aqui.
Eu olho pra minha mãe de novo, em um piscar de olhos ela abre as pálpebras.. No mesmo instante, um tremor, como se tudo parasse no tempo.
Não tem pupilas, é só um branco, como se tivessem apagado. Ela virou a cabeça pra mim, só a cabeça.
— Eric. — Ela disse, escorriam lágrimas daqueles olhos mórbidos. Eu sei que é uma ilusão, ela está morta e morreu faz 3 semanas. — Meu filho.
Não respondi.
— Eric.. Me ajude. — Ela disse movendo a boca de forma esquisita, como se estivesse mastigando.
— Não.
Uma mão toca meu ombro, seguido de uma voz doce feminina.
— Eric.. Como você está? — É Claryce, ela tocou meu ombro e logo veio ao meu lado. — Eu fiquei sabendo como ela morreu.. Eu não sabia.. Sinto muito. — Ela ficou se lamentando.
— Claryce, meu crime é não chorar? Isso deveria me comover? — Eu murmurei, olhando para o corpo da minha mãe.
— Ela me abandonou, me rejeitou.. Agora espera que eu chore? Todos ao meu redor estão me condenando.
— Você não precisa chorar.. — Ela disse de forma doce. — Só precisa estar aqui..
A simplicidade da resposta dela me desarmou.. Olhei pro lado, vi um olhar que não me julgava, mas compreendia.
Na minha frente, a direita do caixão, se aproxima uma velha gorda e seu marido, ela com um vestido preto que quase não a cabe, e o marido também obeso com um terno preto.
— Moleque, que falta de respeito com a sua mãe! — Disse a velha gorda apontando o dedo no meu rosto. — Primeiro você se veste como um animal, agora nem se importa com ela? — E o marido como cachorro concordando com toda palavra que saia da boca daquela mulher, que parecia duas linguiças.
— Olha aqui, sua cadela. — Eu disse batendo as duas mãos na parte fechada do caixão, Claryce se assustou e estava tentando entender a situação. — A mãe é minha, você não viu ela pendurada, sua piranha nojenta. — Claryce segurou meu braço, tentando me acalmar.
— Não fale assim com a minha esposa! — Disse o cachorrinho batendo a mão no caixão. — Deixe de ser insensível!
— Seu eunuco gordo nojento, vê se dá um jeito nessa porca grávida que você chama de esposa. — Nessa hora a igreja inteira tava olhando a briga, os dois com a mão no caixão, colocando peso. Claryce me puxando para trás.
— Veja só, garotinho! Eu só não te encho de porrada pois seria covardia!
— Isso mesmo, querido! — E então, a obesa bateu as mãos no caixão, adivinhem. O caixão despencou com a morta dentro, o barulho ecoou na igreja inteira. — Eita..
A igreja ficou calada, minha mãe tinha caído para o lado, estava agora com metade do corpo fora do caixão que antes era a cama dela, meus punhos estavam cerrados, minha mandíbula trancada.
No chão, além da minha mãe, a gorda tinha caído. Ela pensou que o caixão conseguiria aguentar o corpo nojento dela em cima, que morra.
— Você.. Derrubou minha esposa.. Seu moleque! — O gordão tentou vir pra cima de mim, uma comédia, o corpo dele não deixou. Eu desviei e ele foi parar do outro lado do altar.
Pelo visto ninguém liga para a minha mãe sendo vilipendiada. Segundo round, o gordo parte para cima de mim com o punho.
Eu paro ele no meio do caminho, tome um soco no nariz, e dois, e três. Caiu no chão gemendo, não vou deixar barato. Subi em cima dele e foram pelo menos 8 tapas que tiraram sangue até Claryce me puxar gritando.
— Parem! Parem já! — Claryce exclamou, mesmo gritando a voz dela é linda.. — Eric, se acalme.
Aquilo me pegou desprevenido, eu agora estava completamente consciente. Saí do corpo do velho.. Não morreu, mas com tantos tapas.. Já estava desmaiado.
A igreja gritando, agitada. A gorda no chão, não conseguia levantar sozinha. Minha mãe morta e dobrada como uma folha de papel no altar.
O velho jogado no chão cheio de sangue, minhas mãos ensanguentadas, Claryce me segurando pelos braços, merda.
Eu saí correndo de lá, atravessando o público, eu não quero estar aqui. Até quem não estava na igreja entrou para ver a briga, me exaltei.
Eu deixei os sapatos escaparem sem querer, estava só de meia correndo pelo asfalto, isso machucou meus pés.
Eu subi as escadas freneticamente, agora sem barulho devido a ausência de calçados. Me joguei dentro de casa, tranquei a porta e joguei minha boina do outro lado da sala. Suspirei e pensei, a cidade inteira sabe.

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